Bloco literário: Yoko Ogawa
Yoko Ogawa está estabelecida como uma das escritoras de maior prestígio no Japão, onde arrebatou todos os prêmios referenciais do meio literário japonês, entre os quais o Akutagawa pela novela Ninshin karenda [Diário da gravidez], o Yomiuri por Hakase no aishita sushiki [A fórmula preferida do professor], o Izumi Kyoka por Burafuman no maiso [O enterro de Brahman], e o Tanizaki por Mina no koshin [A marcha de Mina].

Sua obra também provocou uma febre nos EUA e França, com dezenas de livros traduzidos e centenas de milhares de exemplares vendidos. O Nobel Kenzaburo Oe disse que Ogawa “é capaz de dar expressão às maquinações mais sutis da psique humana, em uma prosa que é delicada, mas penetrante”. 

Yoko Ogawa nasceu em Okayama, Japão, em 1962. Sua vocação leitora foi despertada precocemente por clássicos infantis, graças a um sistema de assinatura de livros de que a família dispunha. Gosta de citar O diário de Anne Frank como uma referência decisiva no sentido de perceber a escrita como via de autoexpressão.

Reproduzimos a seguir trechos de uma entrevista concedida por Ogawa à jornalista Deborah Treisman, na qual a autora conta um pouco sobre a carreira e os escritores que a influenciam:

Muitos dos seus trabalhos parecem lidar com variações e perversidades biológicas. Já li histórias suas nas quais o coração de uma mulher se desenvolve sobre a pele, uma mão nasce do chão, estranhas plantas brilhantes crescem no quarto de um casal, e uma garota é envenenada com um profiterole estragado. Você é fascinada por esquisitices biológicas?
É difícil descrever mudanças na psicologia humana. Mas quando observo atentamente e descrevo mudanças físicas externas, percebo que posso destrinchar problemas internos abstratos. Essa tem sido minha abordagem ao longo da minha carreira.

Você já disse ser atraída pelo perigo e pela violência que existem na superfície da vida cotidiana, bem como por seus detalhes sinistros.
Todo ser humano tem algo de violento interiormente, mas a maioria de nós tenta esconder isso. Da mesma forma, tentamos ignorar os perigos que nos rondam em nossa experiência diária, nos esquivar deles para seguir em frente. Mas, paralelamente, somos todos fascinados por essas coisas “subliminares”, e esse fascínio se torna um estímulo no meu trabalho. Através do processo que chamamos de “livro”, essas coisas que normalmente permaneceriam invisíveis tomam forma – é esse o elemento na ficção que me fascina continuamente.

Como você começou a escrever e a publicar no Japão?
Li O diário de Anne Frank quando tinha catorze anos e percebi que escrever era uma forma de libertação. Minha carreira como escritora começou quando passei a manter um diário. Tentava registrar minhas experiências da forma mais fiel possível, e gradualmente percebi que escrever histórias começa no próprio ato de transformar memórias em palavras. Pouco a pouco, comecei a produzir ficção a partir das anotações que eu trazia nesse diário. Em 1988, ganhei um prêmio voltado a novos escritores concedido pela revista Kaien.

Costuma-se dizer que você integra uma nova geração de escritores no Japão. Você se vê efetivamente como parte de algum grupo em particular?
Não pertenço a nenhum grupo. É função dos críticos e acadêmicos dividir escritores em grupos e aplicar esses rótulos. Sou apenas alguém que faz ficção.

Pregnancy Diary [Diário de gravidez] é apenas sua terceira história publicada em inglês. Você é uma das escritoras mais conhecidas do Japão, vem publicando livros e coleções de histórias lá há dezessete anos, tendo conquistado o prestigioso prêmio Akutagawa. É muito difícil para uma escritora japonesa ser vertida para o inglês?
Para os trabalhos de um escritor japonês alcançarem leitores de língua inglesa ou de qualquer outro idioma demanda-se paixão e dedicação por parte de agente literário, editor e tradutor. Quero que meu trabalho seja publicado em países estrangeiros sob as melhores circunstâncias, de modo que não me importo se isso levar tempo. Parece que, em inglês, as condições agora têm sido favoráveis para publicação do meu trabalho, e sou muito agradecida. Não me parece que demorou tanto tempo para chegar a este ponto. Como dizem, há tempo e lugar para tudo.

Há escritores ingleses ou americanos que influenciam seu trabalho?
Meu trabalho tem sido influenciado por Paul Auster, Steven Millhauser e John Irving. Quando leio Paul Auster, sinto que seus livros não são mero produto de sua imaginação, mas dizem respeito a coisas que existem no mundo real. Um escritor é aquele que descobre algo que já existe no mundo, mas que ninguém havia percebido, e então o expressa em palavras. Esse foi um conceito totalmente novo para mim e que aprendi lendo Auster. Também sou sempre impressionada pela apurada visão da realidade de Steven Millhauser. Seus livros passam a ideia de que realidade não é uma questão de abstrações ou teorias, mas, em vez disso, que ela existe como sendo a soma de vários detalhes modestos, concretos. Aprendi muito com ele sobre onde um escritor deve focar sua atenção. Já com John Irving, sou particularmente atraída pela maneira como ele tende a conduzir uma situação trágica a tal extremo que a torna engraçada. Ou seja, ele nos mostra que aquelas histórias de seres humanos desvirtuados, patéticos e risíveis não são motivo para desespero; elas trazem consigo uma espécie de salvação.

Entrevista publicada originalmente na revista The New Yorker na edição de 26 de dezembro de 2005. Tradução das respostas da autora do japonês para o inglês por Stephen Snyder.

Das obras da autora a Estação Liberdade publicou O Museu do Silêncio e A Fórmula preferida do professor.
Rita Kohl, responsável pela tradução de O Museu do Silêncio, esteve no programa Biblioteca Sonora, da Rádio USP e falou um pouco sobre a tradução da obra:

O Museu do Silêncio me agrada por ter um lado delicado e bonito das relações humanas, mas também trazer algo mais pesado, este interesse pela tristeza e pelas decadências. A escritora tem um cuidado muito grande com as palavras, com a escolha de vocabulário. Lendo ensaios dela sobre escrita, percebi que ela diz que tem a preocupação de usar palavras específicas. A estrutura de texto e das frases é bem clara. A dificuldade é de escolher as palavras e identificá-las (no caso de termos específicos da museologia ou da biologia, como nas passagens em que o museólogo observa amostras no microscópio), mas não há conflitos por conta das diferenças das línguas, como frases ambíguas ou construções muito próprias do japonês que são difíceis de converter. O trabalho maior foi mesmo de vocabulário, para tentar trazer esta delicadeza na escolha das palavras que ela tem.

E os diálogos são o mais difícil na tradução do japonês. A escrita representa muito fielmente o jeito que se fala. A escrita japonesa representa exatamente cada sílaba falada, dando todas as marcas da oralidade, e há muitos níveis de polidez e coloquialidade que estabelecem a relação entre os personagens. A velha, por exemplo, é muito grossa, seca, e isso no japonês fica muito claro. Há o trabalho de passar isso para o português sem ferir a norma culta, respeitando os limites da língua. Acho legal como cada personagem tem uma voz no original japonês.

Leia aqui a entrevista completa


O livro, em tradução do japonês de Rita Kohl, é um suspense que trata da memória, do tempo, da vida e da morte. O narrador sem nome do livro é contratado por uma mulher ("a velha") para organizar um acervo de objetos e ajudar a criar um museu com eles.

O que une esses objetos e os torna tão especiais é o fato de pertencerem a pessoas mortas. Os objetos devem sintetizar o que seus donos foram em vida, e o conjunto destes objetos é que formará O Museu do Silêncio. Seus companheiros nesta insólita missão são a filha de sua chefe ("a menina") e o faz-tudo da casa ("o jardineiro").

Os objetos e suas histórias, o silêncio, a neve, o isolamento, acontecimentos inexplicáveis e perigosos: todos estes elementos se fundem em uma trama cativante que caminha sem hesitação para seu final inevitável.

Leia abaixo comentário da tradutora Rita Kohl sobre a obra: 

"Fiquei muito feliz com o convite para traduzir O Museu do Silêncio. Primeiro porque já conhecia um pouco da obra da Yoko Ogawa, por alguns contos e pelo romance A fórmula preferida do professor (que também será publicado em português pela Estação Liberdade), e gostava dela. E também porque ainda são poucas as escritoras mulheres traduzidas do japonês e acho que precisamos equilibrar essa balança.

Eu ainda não conhecia O Museu do Silêncio, e me chamou a atenção nesta obra o cenário totalmente diferente onde a autora ambientou a narrativa. O local e a época são indefinidos, os personagens não têm nomes, e nos costumes e natureza há algumas coisas que lembram a Europa, mas também elementos inusitados e fantásticos. Tudo isso impede que o leitor tenha certeza sobre onde se encontra e dá um tom quase alegórico para a narrativa, que combina com a universalidade dos temas abordados – a memória, nossa relação com a morte, nossos esforços fúteis para preservar as lembranças e os registros que insistem em se deteriorar.

Essas escolhas da autora me atraíram não apenas pela riqueza da atmosfera que criam, mas também porque sei que as traduções de literatura japonesa ainda são vistas, muitas vezes, como representantes do Japão, e acho interessante desafiar essa postura e as ideias preconcebidas que elas podem trazer. É claro que esse papel da literatura traduzida, de ponte entre duas culturas, é importante. Mas, conforme aumenta o número de obras e autores disponíveis em português, acho fundamental vermos cada autor não apenas dentro do contexto japonês, mas também na sua individualidade e na sua relação com a literatura como um todo. Nesse sentido, gostei de traduzir uma obra que não é explicitamente conectada com o Japão, na qual as influências dessa cultura estão presentes de forma mais sutil.

Em relação ao trabalho de tradução em si, o texto de Ogawa é preciso e claro, e não encontrei a ambiguidade, as frases longas e tortuosas ou as variações de tom que muitas vezes dificultam o trabalho do tradutor de japonês. Por outro lado, seu vocabulário é refinado e, mesmo nas passagens de maior suspense ou nas descrições dos objetos mais repulsivos, ela consegue manter, ao mesmo tempo, certo distanciamento e uma sensibilidade surpreendente para a beleza. Espero ter conseguido trazer essas características para os leitores do português."





Após o sucesso do suspense O Museu do Silêncio, a Estação Liberdade traz para o leitor brasileiro A fórmula preferida do Professor. O romance foi publicado em 2003 no Japão com um estouro: um milhão de exemplares vendidos nos primeiros dois meses. Além disso, o romance foi o destaque da temporada de premiações: levou o Hon’ya Taisho, prêmio em que os livreiros e funcionários de livrarias escolhem seu título predileto do ano, e também o prêmio do jornal diário Yomiuri, que há décadas seleciona anualmente o melhor da produção literária japonesa.

Na obra de Yoko Ogawa, o Professor é um matemático brilhante que, por conta de um problema que danificou sua memória recente, não pode levar uma vida normal. Morando na edícula da casa de sua cunhada, que o sustenta, ele passa os dias recluso. As empregadas domésticas contratadas para tentar facilitar a vida do Professor nunca conseguem agradá-lo.

Tudo muda com a contratação da nova empregada, a narradora do livro. Quando o Professor descobre que ela tem um filho de dez anos, insiste para conhecer o pequeno. Aos poucos, da convivência e das aventuras do trio surge uma inusitada amizade, pontuada pela sabedoria do Professor e seu domínio quase mágico da matemática.

Yoko Ogawa coloca no centro da história o afeto, as conexões humanas e a paixão pelo conhecimento. A fórmula preferida do Professor é um romance que cativará leitores de todos os gostos: poucas vezes se trouxeram para a literatura questões de matemática de forma tão agradável e convincente, o que também rendeu à autora o reconhecimento e a estima da comunidade matemática pelo mundo.

Após o notável sucesso no Japão, o livro ganhou uma versão cinematográfica (em 2006, dirigida por Takashi Koizumi, ex-assistente de Akira Kurosawa), além de adaptações para televisão e quadrinhos.


Leia em primeira mão um trecho de A fórmula preferida do Professor (tradução do japonês de Shintaro Hayashi).


Conheça as obras da autora 

TÍTULO: O Museu do Silêncio 

AUTORA: Yoko Ogawa 

TRADUÇÃO DO JAPONÊS: Rita Kohl 

FORMATO: 14 x 21 cm / 304 páginas 

ISBN: 978-85-7448-269-9 

PREÇO: R$ 49,00




TÍTULO: A fórmula preferida do Professor 
AUTORA: Yoko Ogawa 
TRADUÇÃO DO JAPONÊS: Shintaro Hayashi 
FORMATO: 14 x 21 cm / 232 páginas 
ISBN: 978-85-7448-279-8 
PREÇO: R$ 45,00 

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