Canadá Autor: Richard Ford Número de páginas: 456 ISBN: 978-85-7448-248-4
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Amadurecer
precocemente. Essa é a contingência que irá se impor na vida do adolescente
Dell Parsons, o personagem central deste Canadá,
depois que ele tem de lidar com a tragédia que faz desmantelar sua família: o
assalto a banco protagonizado por seus pais, e a consequente prisão destes.
Escrito pelo norte-americano Richard Ford, o livro combina road-story com
romance de formação, ao acompanhar a saga de um garoto dito normal, egresso
de uma família supostamente normal — o pai, ex-piloto da Força Aérea, a mãe,
professora —, e cuja dificuldade financeira os levam a cometerem um crime que
mudará o destino de todos para sempre. As virtudes narrativas de Ford, autor
já angariado com o Prêmio Pulitzer, despontam desde a primeira linha: em
ritmo vertiginoso, somos rapidamente familiarizados com o drama dos Parsons:
“Para começar, vou contar o assalto que meus pais cometeram. Em
seguida, os assassinatos que aconteceram mais tarde. O assalto é a parte mais
importante, já que serviu para mudar o rumo da minha vida e o da minha irmã.
Nada faria sentido, se eu não o contasse desde o início.” Ford estrutura a
história, ambientada em 1960, em três partes, as duas primeiras mais longas,
e a terceira, bem sintética, funcionando como um epílogo. Na primeira, o
personagem-narrador Dell Parsons apresenta o cenário familiar nos momentos
que antecederam o grande crime que os pais viriam a cometer. Narrando os
acontecimentos décadas após eles terem ocorrido, Dell analisa os próprios
pais de forma crítica, como se a profunda diferença de personalidade entre eles
— o pai, um homem alto, de personalidade expansiva e bem-humorada; a mãe, uma
mulher miúda caracterizada pelo ceticismo e pela introversão, dona de um
diário que ninguém tinha permissão de ler — fosse um indicativo de que tinham
tudo para dar errado como casal. Descobriremos depois que a mãe acabaria
convencida pelo pai a participar do assalto, embora ela própria tivesse
convicção de que a empreitada tinha tudo para dar errado. A
ruína do Sonho Americano pelos olhos do assustadiço Dell Parsons é evidenciada
na única visita que ele e a irmã gêmea Berner fazem aos pais na penitenciária
— seria a última vez que os veriam. Incapaz de assimilar a ideia de que a
vida familiar tal como a conhecia acabava de ruir para sempre, Dell pergunta
ao pai encarcerado com desconcertante inocência: “Quando é que eles vão
soltar você?” Ninguém o ensinara como é que se vive sem os pais aos quinze
anos de idade. Atônitos, ele e a irmã sofrem com as incertezas do obscuro
destino que os aguardam. Além disso, há os dilemas próprios da idade, que
tornam tudo ainda mais confuso. Não por acaso, depois que o namorado a
abandona, Berner se envolve numa rápida relação incestuosa com o irmão. A
seguir, ela própria também sai da vida de Dell, “rumo ao seu próprio destino,
qualquer que fosse esse”. Na segunda parte do livro, vemos Dell na situação
de não querer ficar sob a custódia do Estado. Por isso, ele acaba aceitando a
ajuda de uma amiga da família, a senhorita Remlinger, cujo irmão, Arthur,
mora no Canadá. O plano é cruzarem a fronteira para que Dell passe uma
temporada refugiado no país vizinho, junto com Arthur, de modo a recomeçar a
vida. É nessa etapa que acompanhamos o crescimento de Dell Parsons, a maneira
com que a vida o forja como homem, na medida em que tem de conviver com
pessoas que desconhece (muitas pelas quais não sente nenhum apreço), ou
aceitando situações desconfortáveis por não ter alternativas melhores,
dependendo de estranhos. Além disso, o espanto do garoto diante das
peculiaridades daquela terra que lhe é nova e, por isso mesmo, opressiva — o
Canadá —, é o expediente a que Richard Ford recorre para pintar o jovem
dentro desta dupla noção de mudança: a geográfica e a da transição à vida
adulta. A
convivência com Arthur Remlinger, o homem que o acolhe, não será sem
consequências, já que este também carrega um passado sombrio envolvendo uma
morte, ainda que involuntária. Nesse sentido, a escrita de Ford é fatalista:
não importa quão boa é a natureza das pessoas, ou o tamanho de sua inocência,
fato é que as hostilidades da vida real sempre vão atingi-las, em maior ou
menor grau, cabendo a cada uma a habilidade para saber minimizá-las.
Richard Ford nasceu em Jackson,
no Mississippi, em 1944. É autor de sete romances e três coletâneas de
contos, incluindo O cronista esportivo,
Independência, A multitude of sins e, mais recentemente, O sal da terra. Independência foi agraciado com o Pulitzer Prize e o PEN/Faulkner
Award of Fiction — foi a primeira vez que um mesmo livro arrebatou ambos os
prêmios. Seu estilo de escrita costuma ser comparado com os de Faulkner,
Hemingway e Steinbeck. Vive no Maine com a esposa, Kristina. |