Victor Hugo e a história em chamas
Ontem, 15 de abril de 2019, os olhos do mundo se voltaram para o centro de Paris. As imagens estarrecedoras do incêndio na catedral Notre-Dame, um dos ícones máximos da arquitetura francesa, cuja atual estrutura foi finalizada há 850 anos, dominaram a internet e o noticiário.

O acidente é chocante por conta da aura de eternidade da catedral:o local da Notre-Dame foi templo pagão na Antiguidade e depois abrigou uma igreja cristã no século 4º. A construção da catedral em seu estilo gótico foi idealizada como símbolo da importância política, econômica e cultural da capital francesa por Luís VII no século XII. Ali foram coroados reis, foi onde Santa Joana D’Arc foi beatificada, onde Napoleão coroou-se a si mesmo imperador da França.

A mensagem que fica (poucos meses após uma tragédia parecida no Brasil, no Museu Nacional no Rio de Janeiro) é clara: é preciso cuidar do patrimônio histórico se queremos que ainda haja alguma história a ser contada.

Victor Hugo já sabia disso quando decidiu escrever
NOTRE-DAME DE PARIS (também conhecido como “O corcunda de Notre-Dame”), publicado em 1831. O romance já é, em si, um resgate histórico, pois Hugo ambienta sua história no ano de 1482. A lembrança que vem à cabeça é o amor do corcunda Quasímodo pela cigana Esmeralda. No entanto, em grande parte da obra, a protagonista é a catedral em si – seus aspectos arquitetônicos –, além da história do urbanismo e da arquitetura de Paris.

O livro foi escrito antes das reformas do Barão de Haussmann, prefeito a partir de 1853 e responsável por soterrar a Paris medieval e construir a Paris moderna, mas Hugo já sentia as transformações que estavam por vir. O gótico representado pela catedral estava em desuso, era símbolo de um passado a ser esquecido. Inclusive, no início do século XIX, o estado da catedral estava tão prejudicado (após danos causados durante a Revolução Francesa e sem nenhum plano de restauração ou preservação) que as autoridades pretendiam sua demolição. O romance de Victor Hugo foi um dos responsáveis por jogar um novo olhar sobre o monumento, fazendo a Notre-Dame cair novamente nas graças do povo.

Clichê de Charles Marville dos telhados da catedral de Notre-Dame (1859-1860)

Em A INVENÇÃO DE PARIS, o historiador Éric Hazan também dá conta das sucessivas reconstruções de Paris e os significados culturais e históricos dessas mudanças, tendo muitas vezes Victor Hugo como parceiro e comentarista. Ele cita uma passagem de NOTRE-DAME DE PARIS em que o autor resume a expansão da cidade:

“Felipe Augusto....aprisiona Paris dentro de uma cadeia circular de imensas torres, altas e sólidas. Durante mais de um século, as casas se apertam, se acumulam e elevam seu nível nessa bacia como a água de um reservatório. Elas começam a se aprofundar, erguendo andares sobre andares, subindo umas sobre as outras,jorrando em altura como toda seiva comprimida, e cada um tenta superar a residência vizinha ara conseguir um pouco mais de ar. A rua se afunda cada vez mais e se encurta; todas as praças se atulham e desaparecem. As casas, enfim,saltam sobre os muros de Felipe Augusto e se espalham alegremente pela planície, sem ordem e enviesadas, como se fugissem. Ali elas se empertigam e constroem seus jardins nos campos, se acomodam.”
Hugo construiu seu manifesto em defesa do patrimônio histórico em forma de livro, considerado uma das obras-primas da literatura ocidental. No romance, ele homenageia as mensagens e as ideias que estavam vivas, e seguem vivas, na catedral de Notre-Dame, além de encarnar em Quasímodo os próprios atributos da construção (para mais sobre este tema, recomendamos o ótimo texto de João Paulo Charleaux para o Nexo). De Victor Hugo, a Estação Liberdade tem no prelo ainda duas outras obras: NOVENTA E TRÊS, também uma reconstrução história do período pós-Revolução Francesa; e CLAUDE GUEUX E OUTROS ESCRITOS SOBRE A PENA DE MORTE, uma novela sobre um crime real cometido pelo personagem do título acompanhada de reflexões do autor. 



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