
Quem já ouviu
falar de Friedrich Dürrenmatt menciona, de pronto, suas peças mais conhecidas, A visita da velha senhora, encenada
várias vezes nos teatros brasileiros (inclusive por nomes como Tônia Carrero, à
qual tive o prazer de assistir em cena enquanto ainda estudava alemão no
Instituto Goethe, e, em sua última montagem, em 2018, por Denise Fraga), e Os físicos. Ambas, como convém ao autor
suíço, críticas ferozes à sociedade e às relações humanas.
No entanto, poucas pessoas conhecem uma faceta interessante do autor, que
dedicou parte de sua obra aos romances policiais. Ao mesmo tempo que eram uma
paixão do suíço, também suscitavam sentimentos poucos elogiosos, dado aos
esquemas pouco verossímeis dos romances e sua lógica sempre tão parecida com um
quebra-cabeças que espera apenas um pouco de empenho do leitor para ser
desvendado.
Por esse motivo ele escreve, em 1956, A PROMESSA, que ao mesmo tempo festeja
e critica o gênero caro a Dürrenmatt. Uma novela que zomba do gênero, mas com
respeito. Ou homenageia com deboche. Dürrenmatt não restringe seu olhar ferino
apenas aos romances policiais. Como em outros romances e peças, a Suíça também
é alvo da ironia cortante do autor.
A PROMESSA é um romance muito
peculiar; provavelmente diferente de tudo que os leitores já encontraram, uma
literatura que brinca com a própria literatura, brinca com nossas mazelas e
nossa humanidade. Acompanhar a longa narração do dr. H. como se estivéssemos ao
lado dele no carro a caminho de Zurique é uma experiência marcante e traz uma
realidade que, mesmo sendo particular, é bastante universal.
Quem já ouviu falar de Friedrich Dürrenmatt menciona, de pronto, suas peças mais conhecidas, A visita da velha senhora, encenada várias vezes nos teatros brasileiros (inclusive por nomes como Tônia Carrero, à qual tive o prazer de assistir em cena enquanto ainda estudava alemão no Instituto Goethe, e, em sua última montagem, em 2018, por Denise Fraga), e Os físicos. Ambas, como convém ao autor suíço, críticas ferozes à sociedade e às relações humanas.
Sobre a tradução
Dürrenmatt, como
dito anteriormente, monta o texto de A
promessa com os elementos mais conhecidos dos thrillers policiais: um
crime, um suspeito, um detetive muito peculiar, um chefe de polícia que ignora
os detalhes da situação e também as peculiaridades de seu subordinado, uma
trilha a seguir e a resolução do crime como meio de restabelecer a ordem do
mundo. Porém, como um mestre da narrativa, o suíço de alguma forma desencaixa
alguns elementos dessa engrenagem tão bem montada para provar seu ponto de
vista: os romances policiais não levam o acaso em consideração. E o acaso, ao
que parece, é um dos elementos que tornam os escritos de Dürrenmatt tão
geniais.
E algumas dificuldades surgiram durante essa minha experiência de
tradução com o autor. Comento aqui três delas: a ambientação, os comes e bebes
e a narração dentro da narração.
O início do texto, o início da carona que o escritor-narrador pega com
dr. H., por exemplo, é extremamente descritivo. Parece – e digo “parece” pois
traduções são leituras, e cada leitura nos leva a rumos diversos – que o autor
deseja, em primeiro lugar, levar o leitor a sentir o ambiente pesado, sombrio e
cinzento que enfrentará durante o livro e, em segundo lugar, causar um cansaço
semelhante ao que sente o escritor-narrador, que mal dormiu direito em sua
estada em Chur. Somente a partir do capítulo 3 é que o ritmo do romance
aumenta, quando de fato entramos na investigação de Matthäi, nome que exigiu
uma nota de tradução como explicação do apelido, Matthäi do Fim do Mundo.

cena da adaptação cinematográfica do livro A promessa "The Pladge" estrelado por Jack Nicholson
Outra dificuldade que chama a atenção são as marcas, os produtos e as
comidas tipicamente suíças. O dr. H. é um homem que aprecia a boa mesa e um bom
vinho, e as personagens, em muitos momentos, estão fumando charuto (os Bahianos), ou comendo iguarias que não
são comuns. Como tradução consiste em uma experiência de alteridade, de
enxergar o outro, o estrangeiro, tentei manter – muitas vezes com alguma
explicação – comidas e bebidas no original ou com uma tradução que mais se aproximasse
em “sabor” do que constava no original.

Bollito milanese um dos pratos citados na obra A promessa
E uma terceira dificuldade que comento aqui é a da narração dentro da
narração. Pensamos, editora e eu, em uma maneira de deixar claro ao leitor que
aquela era uma história dentro de outra história, uma história contada dentro
de outra, de forma que os narradores não se confundissem. Além do teor
metaficcional de A promessa, em que
alguém fala de literatura dentro da literatura, também há essa sobreposição de
narradores, mesmo que nosso escritor-narrador apenas introduza e finalize o
livro. Ele está presente em toda a narração, como explica mais ao fim do livro,
que faz suas intervenções de maneira a “remodelar” o texto e lhe dar “forma de
publicação”. Optamos, como sinalização, abrir aspas no início de cada capítulo e
fechá-las ao final, reabrindo no capítulo seguinte. E nos trechos do escritor-narrador
seguimos o original, que traz suas intervenções sem aspas ou entre parênteses.
Foi necessária atenção redobrada para não deixar que os narradores se
confundissem nessa matrióshka literária.
Sem dúvida, um dos livros mais surpreendentes que já tive o prazer de
traduzir. A maneira como Dürrenmatt conduz a história, o jeito como nos engana,
criando uma estratégia muito parecida com a dos romances policiais
convencionais, subverte totalmente a lógica enxadrística. O suíço, com sua alma
ordeira e ao mesmo tempo zombeteira, acaba virando o tabuleiro; joga todas as
peças para o alto e nos deixa com a sensação de que nada faz muito sentido e
que buscar uma lógica para tudo pode nos fazer enlouquecer.

Dürrenmatt, como
dito anteriormente, monta o texto de A
promessa com os elementos mais conhecidos dos thrillers policiais: um
crime, um suspeito, um detetive muito peculiar, um chefe de polícia que ignora
os detalhes da situação e também as peculiaridades de seu subordinado, uma
trilha a seguir e a resolução do crime como meio de restabelecer a ordem do
mundo. Porém, como um mestre da narrativa, o suíço de alguma forma desencaixa
alguns elementos dessa engrenagem tão bem montada para provar seu ponto de
vista: os romances policiais não levam o acaso em consideração. E o acaso, ao
que parece, é um dos elementos que tornam os escritos de Dürrenmatt tão
geniais.

cena da adaptação cinematográfica do livro A promessa "The Pladge" estrelado por Jack Nicholson

Bollito milanese um dos pratos citados na obra A promessa

A promessa seguido de A pane
Friedrich Dürrenmatt
