ESTRATÉGIA DA DECEPÇÃO


Há um ano, sob incredulidade geral, a Otan, como que querendo encontrar um segundo fôlego, atacava um país europeu “desobediente” exprerimentava à própria custa que não se bombardeia uma guerra civil. Semiguerra não declarada, semiderrota ou vitória de Pirro, o término do conflito no Kosovo não resolveu nenhum dos problemas políticos dos Bálcãs, e muito menos no que restou da antiga Iugoslávia. Pelo contrário, permitiu um alastramento sem precedentes do banditismo, sem falar da fome e da destruição da estrutura social, deixando distantes quaisquer noções de democracia que pudessem estar por trás de tal operação.

Vítima durante quarenta anos de uma estratégia da dissuasão fundada sobre a primazia da arma de destruição em massa, o continente europeu lhe vê suceder agora uma estratégia da decepção que repousa sobre as capacidades cibernéticas da informação massiva, sobretudo aquelas de uma desinformação generalizada. Sob a expressão “domínio global da informação”, e a pretexto de “corrigir os Estados renegados, esses Estados-delinqüentes contra os quais os Estados Unidos têm a pretensão de proteger o mundo”, assistimos na verdade a uma implosão do conceito  

tradicional de conflito militar. O que importa agora é o controle da informação, mesmo que para isso seja necessário controlar as ondas – o espaço orbital ou “satelitar” – mediante uma militarização unilateral da atmosfera, passando feito rolo compressor por cima não só da ONU e da Otan – cujas instrumentalizações são tão evidentes quanto patéticas – mas também de tratados internacionais existentes. E tudo isso camuflado sob o manto de uma abnegada operação de proteção dos direitos humanos, “entreabrindo, desde já, a porta para limpezas éticas capazes de substituir, com vantagem, a limpeza étnica de populações indesejáveis ou excedentes”. Estamos diante de uma guerra de valores, não mais de território, e ficam patentes o desiquilíbrio do terror e a decomposição geográfica de certas nações em nome dos direitos humanos.

Perante a inevitável proliferação das armas de destruição massiva, o novo conceito estratégico elaborado em Washington por ocasião do qüinquagésimo aniversário da Otan visa ao controle e ao policiamento universal dos fenômenos pânicos que a globalização não deixará de provocar no futuro, permitindo um melhor gerenciamento da nova ordem mundial.


                                                                                                   


PAUL VIRILIO

Paul Virilio é um dos mais argutos analistas dos meios de comunicação, da “guerra da informação” e do mundo cibernético (ver, entre outros, os ensaios Velocidade e política, A arte do motor e A bomba informática, publicados por esta editora. Arquiteto, urbanista, filósofo, ex-diretor da Escola de Arquitetura de Paris, especialista em questões estratégicas, nos últimos anos Paul Virilio tem sido uma voz cética, quase uma nova dissidência, diante de um mundo onde o cidadão é objeto de um bombardeio (des)informacional freqüentemente com fins estratégicos. 



Livro
Tradutor Luciano Vieira Machado
Formato 14 x 21
Páginas 96
ISBN 978-85-7448-022-0

Escreva um comentário

Você deve acessar ou cadastrar-se para comentar.