HISTÓRIAS DA MESA 


A mais antiga referência que se tem sobre os queijos de aspecto mofado que se tornariam parte indissociável da alta gastronomia francesa remete a ninguém menos que Carlos Magno. No início do século IX, uma visita inesperada do imperador a um bispo rendeu ao anfitrião uma dificuldade: o que servir ao ilustríssimo soberano? Um queijo “branco e gordo” era tudo o que havia, e o imperador aceitou – mas não sem antes, com uma faca, cortar os pedaços que lhe pareciam asquerosos. O prelado então lhe segredou ao ouvido que não o fizesse, pois aquelas seriam as melhores partes. Deveras: Carlos Magno acatou a sugestão; ele, que nunca provara antes daquele tipo de iguaria, achou que nunca um queijo lhe descera tão saboroso. 

São causos desse tipo a matéria-prima destas Histórias da mesa, narrados pelo estudioso das tradições alimentares da humanidade, o italiano Massimo Montanari. As peculiares historietas envolvendo desde personagens históricos como Carlos Magno, até figuras ficcionais como o cavaleiro Ivã, evidenciam uma premissa muito elementar: que a comida não serve meramente para saciar a fome. Seu escopo de significados é amplo, materializando-se em formas de expressar tradições, culturas, identidades. Transformar o ato de comer em ocasiões de deleite sempre afetou a economia, a política, os paradigmas intelectuais e religiosos das sociedades ao longo dos tempos. São contos gastronômicos ambientados entre os séculos centrais da Idade Média até o auge da Renascença, com alguns prolongamentos até o século XVII.

Descobriremos, por exemplo, que na Roma de 1338, uma temporada especialmente chuvosa causou uma esterilidade geral da terra – e, por consequência, uma onda de fome sem precedentes sobre a população. Assim, frente à raridade do trigo e o pão impossível, as pessoas tiveram de inventar uma cozinha de emergência, em que um item popular do menu era “o cardo-marítimo cozido com menta” – combinação aparentemente só menos repugnante do que a “iguaria” que o povo de Gália, cinco séculos antes, testara também em tempos de vacas magras: pão à base de terra e farinha. Já na Veneza quinhentista, um banquete de casamento podia ser interrompido por fiscais do governo, já que a lei local impedia que numa mesma refeição fossem servidos carne e peixe juntos – e que os recém-casados não esperassem vista grossa para tamanha soberba alimentar. Se estas Histórias da mesa são verdadeiras ou puro folclore, não importa: o tempero especial de Massimo Montanari as torna terrivelmente apetitosas.

 


LEIA UM TRECHO

                                                                                                   


MASSIMO MONTANARI

Massimo Montanari é professor de história econômica medieval e história da alimentação na Universidade de Bolonha. Entre seus trabalhos mais importantes estão: A Alimentação Camponesa na Alta Idade Média (Nápoles, 1979); A Administração Curtense na Itália (com B. Andreoli, Bolonha 1983); Campos Medievais (Turim, 1984). Para a editora Laterza publicou: Convívio (3 vol., 1989-1992); História da Alimentação (organizada com J.-L. Flandrin, 1999); A Panelinha Mágica (1999); Alimentação e Cultura na Idade Média (1999); A Culinária Italiana. História de Uma Cultura (com A. Capatti, 2000); A Fome e a Abundância (2000), traduzido em doze línguas, e História Medieval (2002). Publicou dois livros no Brasil: História da Alimentação (Estação Liberdade, 1998) e Comida Como Cultura (Senac São Paulo, 2008).



Livro
Tradutor Federico Guglielmo Carotti
Formato 16x23
Páginas 232
ISBN 978-85-7448-270-5

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