SADE CONTRA O SER SUPREMO

Philippe Sollers nos revela e comenta uma inédita e misteriosa carta de Sade às vésperas de seu encarceramento pela justiça revolucionária. E, num ensaio crítico, rende homenagem ao autor libertino, a quem considera um dos maiores da história da literatura.

O erotismo, de um lado, e a pesquisa de formas literárias, do outro, são recorrentes na obra de Philippe Sollers. Aqui, ele faz um amálgama deste seu duplo interesse, ao escrever sobre Sade frente à Revolução Francesa, no ensaio-homenagem “Sade no tempo”, primeira parte do livro. Sobre este assunto, Sollers fez o seguinte depoimento a republique-des-lettres.com: “Desde que percebe que o cristianismo poderia ser substituído por outra religião, a do Ser Supremo, a da Deusa Razão, [Sade] polemiza imediatamente, seus insultos jorram. Hoje, após dois séculos de positivismo, de platitude racionalista, precisamos nos perguntar novamente o que é o erotismo. (...) As revoluções oriundas da Revolução Francesa cobriram o mundo de um manto de virtude, de pulsão de morte, ao passo que elas poderiam ter disseminado a liberdade a tudo quanto é lugar”.

Já na segunda parte do livro, constituída pela longa carta destinada ao cardeal de Bernis, exilado em Roma e em quem tinha plena confiança, Sade denuncia com uma veemência toda especial a ideologia neoreligiosa da Revolução Francesa (o culto de Ser Supremo). Ainda mais que Sade sente que será preso ou mesmo morto pela justiça revolucionária. A carta era inédita até a atual edição e esteve em poder de Apollinaire, depois do escritor Maurice Heine e do editor Gilbert Lely, este último proibindo que fosse editada antes do bicentenário da Revolução Francesa.


Philippe Sollers sobre o livro: 

Poucos espíritos são suficientemente livres para aceitar que uma nova religião, com ambições universais, foi fundada na França durante o Terror: a do Ser Supremo. Seu desejo de morte, seu mau gosto, sua mania do espetáculo, seu grotesco, seu moralismo desenfreado, suas práticas mascaradas, seu clérigo sonâmbulo dos dois sexos, seus rituais mercantilistas corrompedores, seus crimes maniqueístas tiveram, até hoje, um único crítico informado e lúcido: o Marquês de Sade. Eis a prova.

                                                                                                


PHILIPPE SOLLERS

Philippe Sollers nasceu em Bordeaux, na França, em 1936. Estudou na Escola Superior de Ciências Econômicas e Sociais, em Paris, entre 1955-1957. Sua primeira obra publicada, Le Défi (1957), recebeu o prêmio Fénéon. Mas é no início da década de 1960 – sobretudo após fundar, com outros ensaístas ligados ao “estruturalismo literário” a revista TelQuel– que Sollers começa a se sobressair como importante intelectual, empreendendo uma reflexão sobre a linguagem e suas relações com o real. Ao longo de sua carreira escreveu crítica, teoria literária, ensaios políticos e romances, tendo como principal base teórica a psicanálise e a semiótica. Com uma obra controversa e variada, grande reserva de estilos e posições ideológicas, que inclui um período marxista, aproximações com o nouveau roman, uma rigorosa prosa quase proustiana, uma paixão pelo místico e pelo erótico, entre outras facetas, Sollers é hoje um dos mais prestigiados autores franceses. Destacam-se em sua obra os livros: O Parque (prêmio Médicis 1961), Mulheres (1983), Sade Contra o Ser Supremo (1989), La Guerre du goût (1994), Le Cavalierdu Louvre: Vivant Denon, 1747-1825 (1995), Studio (1997), Passion fixe (2000).