FORMIGAS DA ESTAÇÃO DE BERNA

Um sofisticado e galanteador andarilho examina o Estado suíço, a começar pela maior cédula de dinheiro em circulação no mundo, a de mil francos suíços, da qual duas notas vêm parar em suas mãos — e apesar de todo seu empenho não consegue usá-las. 

Um antigo militante esquerdista não se conforma por não estar fichado nas engrenagens à prova de falhas da polícia helvética. Em certos meios isso não é bem-visto, o que o leva a querer macular sua identidade desagradavelmente limpa.

Suíços constroem enormes diques para represar as águas de quatro grandes rios europeus cujas nascentes estão em seu território, e cujas águas acusam seus vizinhos de roubar. As águas invadem todo o país e a população se refugia nas montanhas enquanto grupos especiais de militares assistem a toda a experiência da calmaria de seus bunkers.

Por seu amor aos pássaros, uma estrangeira solitária é censurada pelos vizinhos, que somem com todo o estoque de ração da cidade para deixá-la sem provimentos para as aves. Como se não bastasse, os condôminos vetam a construção de uma cerca viva de pinheiros, pois ela dificultaria o passatempo nacional da bisbilhotagem.

A bela e ordenada Suíça de repente vira um amontoado de angústias, e alastram-se as situações absurdas. O conteúdo desta narrativa curta elegantemente sarcástica de Bernard Comment extrapola o metafórico. Esse pequeno país, amálgama de perfeições extremadas ao sopé dos Alpes, seria um espelho invertido de nossas manias e neuroses contemporâneas?


SOBRE A COLEÇÃO LATITUDE

Nossa intenção é dupla: abrir uma janela atualizada e dinâmica, dentro do enfoque multicultural que norteia a Estação Liberdade, para o que há de melhor na literatura dos diversos países e regiões que contribuíram para o florescimento desta importante língua literária e, ao mesmo tempo, oferecer um espaço para autores, obras e editoras nem sempre contempladas pela lógica do mercado, seja dentro ou fora do Brasil. A coleção conta com o apoio dos Ministérios das Relações Exteriores da França, da Suíça e do Canadá para alguns títulos.

        

                                                                                                   


BERNARD COMMENT

Bernard Comment nasceu em Porrentruy (cantão do Jura, noroeste da Suíça), filho do conhecido pintor Jean-François Comment. Formou-se em letras pela Universidade de Genebra, e é diplomado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris.

Comment destaca-se há alguns anos como um dos mais criativos e constantes autores francófonos da Suíça. Viveu na Itália entre 1986 e 1990, e foi interno da Academia Francesa em Roma (Villa Médicis) em 1993 e 1994. Lecionou literatura na Universidade de Pisa e é tradutor para o francês da obra de seu grande amigo Antonio Tabucchi (Sonhos de sonhos, A cabeça perdida de Damasceno Monteiro, Afirma Pereira). Atualmente vive em Paris.

Sua obra literária de ficção inclui entre outros títulos: L’Ombre de mémoire (1990), Allées et venues (1992), Florence, retours (1994), L’Ongle noir (1997), Éclats cubains (1998) e Le Colloque des bustes (2000). É autor também de ensaios como Roland Barthes, vers le Neutre (1991) e Le XIXème siècle des panoramas (1993). No teatro, é autor de várias peças como Andirivieni (1996) e Réception (1999). No cinema, escreveu roteiros para Alain Tanner (Réquiem, Jonas e Lilá). É diretor ainda da área de ficção na rádio France Culture, e conselheiro editorial da editora francesa Denoël desde 1998.

Esteve no Brasil em 1998 por ocasião da 15a. Bienal Internacional do Livro de São Paulo.