Na Terra do Cervo Branco traz narrativa épica da China profunda

Chen Zhongshi recria os conflitos que marcaram o país em romance povoado de história e folclore

Em maio de 2016, milhares de pessoas se reuniram para dar adeus a Chen Zhongshi em seu velório em Xi’an, capital da sua provincía natal de Shaanxi. Nas suas últimas décadas de vida, o autor viu sua popularidade crescer imensamente – tudo por conta do sucesso internacional de Na Terra do Cervo Branco, que, além de receber em 1997 o Mao Dun, prêmio literário máximo de seu país, vendeu milhões de exemplares e teve adaptações das mais diversas.

A obra é fruto do esforço monumental de recriar as marés históricas e conflitos políticos do século XX na China, ao mesmo tempo acertando contas com a milenar tradição do país. Com o distanciamento da morte de Mao Tsé-Tung e uma gradual abertura do país ao exterior, novas possibilidades de pensar o período revolucionário apareceram na literatura a partir de 1990. É o movimento do novo romance histórico chinês, do qual esta obra é um dos principais representantes.

Neste contexto, Chen Zhongshi voltou seu olhar a sua terra natal, Xi’an, simbólica por ter sido capital de várias dinastias de imperadores chineses desde a Antiguidade. Resgatando a riqueza da memória e da cultura locais e imbuindo-se do pensamento mágico que povoa a vida camponesa (e urbana) até hoje, ele concebeu Na Terra do Cervo Branco.




Autor: Chen Zhongshi
Tradução: Ho Yeh Chia, Márcia Schmaltz, Mauro Pinheiro
Formato: 16 x 23 cm / 864 páginas
ISBN: 978-85-7448-304-7


Na planície que dá nome ao livro, as famílias Bai (白“branco”) e Lu (鹿, “cervo”), parte de um mesmo clã, alternam-se no poder. Acompanhamos três gerações destas famílias, lideradas respectivamente pelo honrado Bai Jiaxuan e por seu amigo e rival Lu Zulin, enquanto tentam navegar a arrasadora onda de mudanças e destruição a que o povo chinês foi submetido na primeira metade do século XX.

Com o fim da dinastia Qing e a queda do Império, em 1912, os séculos de razoável estabilidade são substituídos por uma disputa sangrenta pelo poder. Primeiro, as guerras civis: sem a figura central do Imperador, os senhores feudais locais passam a brigar entre si. Logo, a disputa entre o Partido Nacionalista (Kuomintang) e o Partido Comunista, cada um com sua ideia de libertação popular. Ao mesmo tempo, a invasão japonesa e a devastadora Segunda Guerra Mundial. Novamente, a guerra total entre partidos, que culmina na Grande Marcha e na fundação da República Popular da China sob Mao Tsé-Tung. Com o estabelecimento do novo Estado revolucionário, novos valores e formas de vida vêm substituir a cultura arraigada há milênios.

Contra esse pano de fundo histórico, o elenco de personagens memoráveis criado por Chen Zhongshi compõe um retrato das formas possíveis de viver perante as catástrofes do destino. Conhecemos a ética e a organização da vida local em comunidade; experimentamos os rituais mágicos e simbólicos tradicionais, bem como a filosofia do confucionismo – incorporados no doutor Leng e no sábio Mestre Zhu. Acompanhamos personagens em busca de suas revoluções pessoais por meio da educação, do banditismo ou da adesão aos grupos de poder. Vemos a opressão patriarcal e as tentativas de libertação feminina, encarnadas em Xiao’e e na forte figura de Bai Ling. Por fim, vemos como, com contornos trágicos, as escolhas pessoais levam as famílias a lados opostos de uma guerra fratricida.

Concebido em 1987 e publicado em 1993 – período em que o autor voltou à zona rural da infância para mergulhar na atmosfera que queria recriar – Na Terra do Cervo Branco é um clássico moderno da literatura chinesa. O livro alçou Chen Zhongshi ao patamar de autores como Yu Hua ou o Prêmio Nobel Mo Yan, com a diferença de que, em vez de buscar uma literatura globalizada, ele trata de assuntos eminentemente chineses. A epígrafe do livro, de Balzac, afirma que o romance é como a “história secreta de um povo”. É esse o efeito do mergulho do autor na cultura chinesa. O épico é uma história universal do poder das escolhas em confronto com a violência do tempo, das disputas humanas e das mudanças.


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